Dizem
que Jesus, na hora extrema, começou a procurar os discípulos, no seio da
agitada multidão que lhe cercava o madeiro, em busca de algum olhar amigo em
que pudesse reconfortar o espírito atribulado...
Contemplou,
em silêncio, a turba enfurecida.
Fustigado
pelas vibrações de ódio e crueldade, qual se devera morrer, sedento e em
chagas, sob um montão de espinhos, começou a lembrar os afeiçoados e seguidores
da véspera...
Onde
estariam seus laços amorosos da Galileia?...
Recordou
o primeiro contato com os pescadores do lago e chorou.
A
saudade amargurava lhe o coração.
Por
que motivo Simão Pedro fora tão frágil? Que fizera ele, Jesus, para merecer a
negação do companheiro a quem mais se confiara?
Que
razões teriam levado Judas a esquecê-lo? Como entregara, assim, ao preço de
míseras moedas, o coração que o amava tanto?
Onde
se refugiara Tiago, em cuja presença tanto se comprazia?
Sentiu
profunda saudade de Filipe e Bartolomeu, e desejou escutá-los.
Rememorou
suas conversações com Mateus e refletiu quão doce lhe seria poder abraçar o
inteligente funcionário de Cafarnaum, de encontro ao peito...
De
reminiscência a reminiscência, teve fome da ternura e da confiança das
criancinhas galiléias que lhe ouviam a palavra, deslumbradas e felizes, mas os
meninos simples e humildes que o amavam perdiam-se, agora, à distância...
Recordou
Zebedeu e suspirou por acolher-se-lhe à casa singela.
João,
o amigo abnegado, achava-se ali mesmo, em terrível desapontamento, mas
precisava socorro para sustentar Maria, a angustiada Mãe, ao pé da cruz.
O
Mestre desejava alguém que o ajudasse, de perto, em cujo carinho conseguisse
encontrar um apoio e uma esperança...
Foi
quando viu levantar-se, dentre a multidão desvairada e cega, alguém que ele, de
pronto, reconheceu.
Era
a mesmo Espírito perverso que o tentara no deserto, no pináculo do templo e no
cimo do monte.
O
Gênio da Sombra, de rosto enigmático, abeirou-se dele e murmurou:
Amaldiçoa,
os teus amigos ingratos e dar-te-ei o reino do mundo! Proclama a fraqueza dos
teus irmãos de ideal, a fim de que a justiça te reconheça a grandeza angélica e
descerás, triunfante, da cruz!... Dize que os teus amigos são covardes e duros,
impassíveis e traidores e unir-te-ei aos poderosos da Terra para que domines
todas as consciências. Tu sabes que, diante de Deus, eles não passara de
míseros desertores...
Jesus
escutou, com expressiva mudez, mas o pranto manou-lhe mais intensamente da
olhar translúcido.
Sim
– pensava –, Pedro negara-o, mas não por maldade. A fragilidade do apóstolo
podia ser comparada à ternura de uma oliveira nascente que, com os dias, se
transforma no tronco robusto e nobre, a desafiar a implacável visita dos anos.
Judas entregara-o, mas não por má-fé. Iludira-se com a política farisaica e
julgara poder substituí-lo com vantagem nos negócios do povo.
Encontrou,
no imo dalma, a necessária justificação para todos e parecia esforçar-se por
dizer o que lhe subia do coração.
Ansioso,
o Espírito das Trevas aguardava-lhe a pronúncia, mas o Cordeiro de Deus,
fixando os olhos no céu inflamado de luz, rogou em tom inesquecível:
Perdoa-lhes,
Pai! Eles não sabem o que fazem!...
O
Príncipe das Sombras retirou-se apressado.
Nesse
instante, porém, ao invés de deter-se na contemplação de Jerusalém dominada de
impiedade e loucura, o Senhor notou que o firmamento rasgara-se, de alto a
baixo, e viu que os anjos iam e vinham, tecendo de estrelas e flores o caminho
que o conduziria ao Trono Celeste.
Uma
paz indefinível e soberana estampara-se-lhe no semblante.
O
Mestre vencera a última tentação e seguiria, agora, radiante e vitorioso, para
a claridade sublime da ressurreição eterna.
Do livro Contos e
Apólogos, pelo Espírito Irmão X, médium Francisco Cândido Xavier
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